Esta deveria ser uma
questão óbvia só de olhar para a cruz do Calvário. Para que Deus, pela graça, pudesse
salvar pecadores, a ofensa dos pecadores precisou ser paga por Cristo na cruz.
Conforme Paulo, em Cristo Deus “demonstrou sua justiça, a fim de ser
justo e justificador daquele que tem fé em Cristo Jesus” (Rm 3.26).
Perceba, então, que a
primeira condição para haver perdão foi o sacrifício substitutivo de Cristo. A
outra, que decorre desta, é que sem crer na obra de Cristo, não há salvação. Foi
isso que Paulo afirmou quando escreveu aos colossenses: “[...] tendo sido
sepultados, juntamente com ele, no batismo, no qual igualmente fostes
ressuscitados mediante a fé no poder de Deus que o ressuscitou dentre os
mortos [...] vos deu vida juntamente com ele, perdoando todos os vossos
delitos” (Cl 2.12,13).
Louis Berkhof ensina:
“Visto que Cristo satisfez a condição da aliança das obras, o homem pode agora
colher o fruto do acordo original pela fé em Jesus Cristo. [...] que satisfez
as exigências da lei e pode dispensar a bênção da vida eterna” (Teologia
Sistemática, 2012).
Como afirma o salmista,
o Senhor é “pronto a perdoar, e abundante em benignidade para todos
os que te invocam” (Sl 86.5 – ACF). Isto quer dizer que para que haja
perdão é preciso invocar a Deus. Paulo mostra esta condição aos romanos: “Se,
com a tua boca, confessares Jesus como Senhor e, em teu coração, creres que
Deus o ressuscitou dentre os mortos, serás salvo” (Rm 10.9). Foi neste
contexto que ele afirmou que Deus é “rico para com todos os que o invocam.
Porque: todo aquele que invocar o nome do Senhor será salvo” (Rm
10.12-13).
Diante disso, fica
evidente que não há perdão da parte de Deus sem arrependimento, como bem afirma
Jay Adams: “o perdão de Deus repousa sobre condições inconfundivelmente claras”
(De perdoado a perdoador, 2015).
É fundamental
compreender como é o perdão do Senhor para com os seus filhos. Geralmente, os
cristãos que frequentam igrejas bíblicas compreendem bem esta questão, o que os
leva a rejeitar o universalismo, que nada mais é que a crença de que no fim das
contas Deus vai perdoar a todos, independentemente de se arrependerem ou não.
Ainda assim, muitos mantêm uma compreensão equivocada sobre o perdão que os
crentes devem conceder a seus ofensores.
De imediato é preciso
lembrar que o perdão do Senhor é o modelo para o perdão dos crentes. Paulo
escreveu aos efésios: “Antes, sede uns para com os outros benignos,
compassivos, perdoando-vos uns aos outros, como também Deus, em Cristo, vos
perdoou” (Ef 4.32).
Assim, o perdão
concedido pelos crentes também é condicionado ao arrependimento do ofensor.
Esta é a razão de Jesus instruir os discípulos dizendo, “se teu irmão pecar
contra ti, repreende-o; se ele se arrepender, perdoa-lhe” (Lc 17.3).
Se fosse ordenado perdoar, mesmo sem o arrependimento do ofensor, Jesus não teria
estabelecido que ele fosse procurado com duas ou três testemunhas, levado à
igreja em caso de persistência, e por fim tratado como gentio e publicano se
permanecesse impenitente (Mt 18.15-17).
Perdoar sem
arrependimento esvazia e torna inútil o processo de disciplina estabelecido
pelo Senhor Jesus Cristo. Agora, reflita: se o final desse processo leva o
ofensor a ser tratado como gentio e publicano, ou seja, pessoas cujos pecados não
foram perdoados por Deus, como um cristão poderia declarar perdão a alguém
ímpio que causou mal à sua família? Isso simplesmente não é bíblico. Ainda
assim, recentemente, muitos cristãos celebraram como virtude a declaração de
perdão da esposa de Charlie Kirk ao assassino do seu marido.
Não me entenda mal! Não
estou insinuando que cristãos devem manter o coração amargo diante de males
cometidos contra eles por pessoas que não se arrependeram. Como servos de Deus,
cristãos devem imitá-lo e estar sempre prontos a perdoar, mas isto não
deve ocorrer sem que haja reconhecimento pelo ofensor. Os cristãos devem orar
por seus inimigos e rogar ao Senhor que os leve ao arrependimento. Se tiverem
oportunidade, devem amar os inimigos dando-lhes o que comer e o que beber, não
se deixando vencer pelo mal, mas vencendo o mal com o bem, como ordenou Paulo
em Romanos 12.20-21. Eles não devem se vingar, mas dar “lugar à ira; porque
está escrito: A mim me pertence a vingança; eu é que retribuirei, diz o Senhor”
(Rm 12.19).
Contudo, isso não
significa perdoar aqueles que não reconhecem suas faltas. Em alguns casos, ainda
ouvirão respostas desafiadoras, como: “e quem disse que estou pedindo perdão?”.
Alguns poderiam
perguntar: Perdoar não seria imitar a Jesus, que na cruz perdoou os que o
entregaram à morte (Lc 23.34)? Na verdade, este texto prova o que mencionei
anteriormente: os cristãos devem orar por seus inimigos. Jesus não estava
perdoando diretamente, mas rogando ao Pai que os perdoasse.
Durante seu ministério
Jesus afirmou que o Pai sempre o ouve (Jo 11.42) e não foi diferente desta vez.
Em Atos, por ocasião do Pentecostes, Pedro pregou um poderoso sermão. Em
determinado ponto ele acusou: “sendo este [Jesus] entregue pelo determinado
desígnio e presciência de Deus, vós o matastes, crucificando-o por mãos de
iníquos” (At 2.23). A resposta do Pai ao Filho se vê no final do sermão: “Ouvindo
eles estas coisas, compungiu-se-lhes o coração e perguntaram a Pedro e aos
demais apóstolos: que faremos, irmãos? Respondeu-lhes Pedro: Arrependei-vos, e
cada um de vós seja batizado em nome de Jesus Cristo para remissão dos vossos
pecados, e recebereis o dom do Espírito Santo” (At 2.37-38).
Curiosamente, quando foi
martirizado, Estêvão imitou o seu Senhor e rogou a Deus que não imputasse o
pecado de seu apedrejamento a seus algozes. Você lembra quem era um deles?
Paulo, sob cujos pés foram deixadas as roupas de Estêvão e que mais tarde veio
à fé (At 7.60-8.1). Paulo reconheceu sua falta ao perseguir a igreja (1Co 15.9)
e, diante dos judeus, confessou ter consentido com a morte do diácono (At
22.20). De fato, Estêvão teve sua oração atendida!
Algo que contribui para
a confusão sobre perdoar, independentemente do arrependimento alheio é um
“evangelho autocentrado”, que ensina que quem não perdoa causa males a si
mesmo. Entretanto, quando alguém decide perdoar motivado apenas por não se
prejudicar ao guardar mágoa no coração, demonstra um coração egoísta, e tal
perdão é pecaminoso. O pecado é abominável não por causa das consequências em
nós, mas pela afronta ao Deus Santo. Como ensina Jay Adams, “Deus não está
interessado no perdão como um fim em si mesmo, ou como uma técnica terapêutica
que beneficia o que exerce o perdoar. Deus quer que a reconciliação aconteça, e
isso só pode ser resultado de arrependimento” (De perdoado a perdoador, 2015).
Você não é mais santo
que Deus! Se ele coloca condições para o perdão, não queira fazer algo que você
julga ser melhor. Mantenha um coração pronto a perdoar, confronte os irmãos que
pecaram contra você e ore por aqueles que não têm a Cristo para que,
arrependidos dos seus pecados contra o Senhor, arrependam-se também do que
fizeram contra você.
Somente desta maneira,
há verdadeiro perdão.
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